Esquecimento do passado
“Fortifica-nos o coração para que o passado não nos perturbe e o futuro não nos inquiete, a fim de que possamos honrar-te a confiança no dia de hoje, que nos deste para a renovação permanente até a vitória final”. (Prece de Alexandre – Livro Missionários da Luz, Francisco Cândido Xavier por André Luiz.)
A prece do instrutor Alexandre, em epígrafe, esclarece-nos de forma lúcida a importância do dia de hoje como oportunidade divina para a renovação das nossas atitudes.
Dentre os espíritas, porém, encontramos grande número de companheiros seduzidos pela curiosidade quanto ao seu passado. Mesmo compreendendo que temas como Reencarnação, Lei de Causa e Efeito, Justiça e Causas das Aflições, Provas e Expiações e etc. remetem nossas reflexões a condutas pregressas, na verdade, é o nosso orgulho que aguça a curiosidade sobre os nossos relacionamentos, frente a possibilidade de nos descobrirmos em função destacada em sociedades do passado. A diferença entre refletirmos sobre nossas “condutas pregressas” e a curiosidade sobre “a possibilidade de nos descobrirmos em função destacada em sociedades do passado” talvez não seja pequena.
Emmanuel, na personalidade do senador Públio Lêntulos, descreve um sonho que teve, nos seguinte termos: “Todavia, o que mais me humilhava nessas visões do passado culposo, como se a minha personalidade atual se envergonhasse de semelhantes reminiscências, é que me prevalecia da autoridade e do poder para, aproveitando a situação, exercer as mais acerbas vinganças contra inimigos pessoais, contra quem expedia ordens de prisão, sob as mais terríveis acusações.”[1] Observamos que não há destaque no cargo que ocupava e, sim, no uso equivocado dele. Mas a lição do mentor Emmanuel vai além da simples revelação de um passado delituoso. Ela descreve o impacto de nossas condutas anteriores na encarnação seguinte. Vemos claramente, neste caso, que seria melhor o esquecimento temporário do passado à lembrança constrangedora que ele trazia.
Muitos objetam que não podemos nos responsabilizar em reparar danos dos quais não nos lembramos de ter causado. Teria Deus, então, errado ao estabelecer o esquecimento do passado como situação comum nos processos reencarnatórios? Tal forma de pensar é equivocada, pois inverte a lógica da vida. Faz com que pensemos sermos seres materiais que, em determinados momentos, vivem experiências espirituais. Não é assim. Temos uma única vida e ela é espiritual. Nela teremos diversas encarnações. Assim, nossas várias encarnações são unidas pelo fio de uma única vida.
A responsabilidade pelos nossos atos não está radicada nos corpos físicos que utilizamos ao longo de várias existências.
A exemplo de uma casa que ao receber uma nova pintura não perde a cor antiga, apenas a recobre; da mesma forma que você, que agora nos lê, não se isenta dos seus compromissos de trabalho ou que nos seus momentos de sono, para repouso do corpo, não fica isento dos seus compromissos familiares. Um breve esquecimento do passado, durante a encarnação, não nos redime frente à nossa consciência eterna.
Certamente, agimos como as crianças que questionam os pais quando levadas para serem furadas por uma agulha, que lhes inocula uma vacina salvadora ou como aquelas que reclamam dos pais que não lhes permitem se alimentarem somente de doces. Deus, como Pai Maior, estabelece normas para a nossa evolução à revelia da nossa imediata compreensão. Deus não quereria, penso, que nos corrigíssemos pela lembrança dos nossos erros, mas sim porque aprendemos e tivemos mérito de tomar novas atitudes. Desta forma, não nos perturbemos em saber agora o passado pois, apesar da afirmação de que “[…] leis inflexíveis da Natureza, ou, antes, os efeitos resultantes do passado, decidem a sua reencarnação” [2], Jesus nos garantiu que “nada há encoberto que não haja de revelar-se, nem oculto que não haja de saber-se.” [3]
Façamos uso da fala acima, inspirada por Alexandre, e usemos o dia de hoje para nossa renovação, conforme os ensinos do Cristo: “Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam; Bendizei os que vos maldizem, e orai pelos que vos caluniam.” [4]
Rômulo Novais
[1] XAVIER, Francisco Cândido. Há dois mil anos. Pelo Espírito Emmanuel.
48. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007, Primeira Parte, cap. 1, (Dois amigos).
[2] DENIS, Léon. Depois da morte. Tradução de João Lourenço de Souza.
26 ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Cap. XLI.
[3] Mateus 10:26
[4] Lucas 6:27,28
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