Bem-aventurados os que têm os olhos fechados
Convido a todos os leitores a explorarmos juntos o Cap. VIII do Evangelho Segundo o Espiritismo, acerca das instruções deixadas pelos Espíritos através das bem-aventuranças, especificamente aquela que diz “Bem-aventurados os que tem os olhos fechados”.
Trata-se de uma “Evocação” a um Espírito conhecido da época, o Pároco João Maria Batista Vianney, designado Vigário geral na cidade de Ars-sur-Formans, também chamado de “O Cura de Ars”. Lembrado pela devoção, capacidade de curar, ótimo confessor, e pelo cuidado que tinha com toda a comunidade, especialmente com os mais pobres. Em 1925 seria canonizado pela Igreja Católica.
Vejamos a seguir a comunicação mediúnica de J.B. Vianney, O cura d’Ars:
Bem-aventurados os que têm fechados os olhos
Esta comunicação foi dada com relação a uma pessoa cega, a cujo favor se evocara o Espírito de J.B. Vianney, Cura d’Ars.
20. Meus bons amigos, para que me chamastes? Terá sido para que eu imponha as mãos sobre a pobre sofredora que está aqui e a cure? Ah! Que sofrimento, bom Deus! Ela perdeu a vista e as trevas a envolveram. Pobre filha! Que ore e espere. Não sei fazer milagres, eu, sem que Deus o queira. Todas as curas que tenho podido obter e que vos foram assinaladas não as atribuais senão Àquele que é o Pai de todos nós. Nas vossas aflições, volvei sempre para o céu o olhar e dizei do fundo do coração: “Meu Pai, cura-me, mas faze que minha alma enferma se cure antes que o meu corpo; que a minha carne seja castigada, se necessário, para que minha alma se eleve ao teu seio, com a brancura que possuía quando a criaste.” Após essa prece, meus amigos, que o bom Deus ouvirá sempre, dadas vos serão a força e a coragem e, quiçá, também a cura que apenas timidamente pedistes, em recompensa da vossa abnegação.
Contudo, uma vez que aqui me acho, numa assembleia onde principalmente se trata de estudos, dir-vos-ei que os que são privados da vista deveriam considerar-se os bem-aventurados da expiação. Lembrai-vos de que o Cristo disse convir que arrancásseis o vosso olho se fosse mau, e que mais valeria lançá-lo ao fogo, do que deixar se tornasse causa da vossa condenação. Ah! Quantos há no mundo que um dia, nas trevas, maldirão terem visto a luz! Oh! Sim, como são felizes os que, por expiação, vêm a ser atingidos na vista! Os olhos não lhes serão causa de escândalo e de queda; podem viver inteiramente da vida das almas; podem ver mais do que vós que tendes límpida a visão!… Quando Deus me permite descerrar as pálpebras a algum desses pobres sofredores e lhes restituir a luz, digo a mim mesmo: Alma querida, por que não conheces todas as delícias do Espírito que vive de contemplação e de amor? Não pedirias, então, que se te concedesse ver imagens menos puras e menos suaves, do que as que te é dado entrever na tua cegueira! Oh! Bem-aventurado o cego que quer viver com Deus. Mais ditoso do que vós que aqui estais, ele sente a felicidade, toca-a, vê as almas e pode alçar-se com elas às esferas espirituais que nem mesmo os predestinados da Terra logram divisar. Abertos, os olhos estão sempre prontos a causar a falência da alma; fechados, estão prontos sempre, ao contrário, a fazê-la subir para Deus. Crede-me, bons e caros amigos, a cegueira dos olhos é, muitas vezes, a verdadeira luz do coração, ao passo que a vista é, com frequência, o anjo tenebroso que conduz à morte. Agora, algumas palavras dirigidas a ti, minha pobre sofredora. Espera e tem ânimo! Se eu te dissesse: Minha filha, teus olhos vão abrir-se, quão jubilosa te sentirias! Mas, quem sabe se esse júbilo não ocasionaria a tua perda! Confia no bom Deus, que fez a ventura e permite a tristeza. Farei tudo o que me for consentido a teu favor; mas, a teu turno, ora e, ainda mais, pensa em tudo quanto acabo de te dizer. Antes que me vá, recebei todos vós, que aqui vos achais reunidos, a minha bênção. – Vianney, cura d’Ars. (Paris, 1863)
21. Nota. Quando uma aflição não é consequência dos atos da vida presente, deve-se lhe buscar a causa numa vida anterior. Tudo aquilo a que se dá o nome de caprichos da sorte mais não é do que efeito da justiça de Deus, que não inflige punições arbitrárias, pois quer que a pena esteja sempre em correlação com a falta. Se, por sua bondade, lançou um véu sobre os nossos atos passados, por outro lado nos aponta o caminho, dizendo: “Quem matou à espada, pela espada perecerá”, palavras que se podem traduzir assim: “A criatura é sempre punida por aquilo em que pecou.” Se, portanto, alguém sofre o tormento da perda da vista, é que esta lhe foi causa de queda. Talvez tenha sido também causa de que outro perdesse a vista; de que alguém haja perdido a vista em consequência do excesso de trabalho que aquele lhe impôs, ou de maus-tratos, de falta de cuidados etc. Nesse caso, passa ele pela pena de talião. É possível que ele próprio, tomado de arrependimento, haja escolhido essa expiação, aplicando a si estas palavras de Jesus: “Se o teu olho for motivo de escândalo, arranca-o.”
Não obstante padre, desencarnado, tinha ele a consciência de que se tratava de uma comunicação entre os dois planos da vida, o espiritual e material.
Com humildade, se apresentou e discorreu rapidamente sobre o fato, objeto da “Evocação”, definindo nossa irmã como uma pobre criatura, que perdeu as vistas, e as trevas a envolveram. Na sequência, disse incapaz de realizar milagre, e se algum a ele foi direcionado, quem o fez de fato, foi Deus, o Pai de todos nós.
Sugere à irmã, uma prece, na qual humildemente se peça a cura da alma enferma, e reforça a necessidade que temos de sofrer na carne as consequências dos nossos erros, para que com esforço e aprendizado, possamos retornar às mãos sabias e compassivas do Criador, de posse da nossa pureza que possuíamos quando da criação.
Isto nos remete à figura de Adão e Eva, que vivendo no Paraíso, se envolveram no pecado, e foram expulsos, para que pudessem se redimir de seus erros. Neste simbolismo, como em todos da Bíblia, a clara lição de que caímos no erro, e Deus na sua infinita bondade e misericórdia, nos permite o retorno ao Paraíso, mas com luta, esforço, e muito trabalho. E as dores do corpo, muitas vezes, são os instrumentos para curar a nossa alma enferma.
Prossegue o Espírito evocado, dizendo: “aquele que veio privado da visão deveria se considerar um bem-aventurado”, e afirma que os olhos são portas abertas para a perdição, quando não bem utilizados. Recorda ainda as palavras do Cristo quando nos disse: “Se o teu olho for motivo de escândalo, arranca-o e lança-o ao fogo.” Fazendo clara alusão à visão como causa de escândalo e de queda, enquanto a ausência da visão física, permite viver a vida da alma, de forma mais limpa.
Isso aumenta muito nossa responsabilidade sobre a visão, o que efetivamente fazemos com os nossos olhos. Chama-nos também a atenção para uma maior vigilância, cuidado, a fim de que, os olhos que nos permitem ver o mundo, não sejam objetos de uma nova queda. Fica também claro para nós, que já tivemos várias quedas, pelo mal uso da visão. Encerra dizendo que a cegueira dos olhos, é luz da alma, e que olhos que enxergam, muitas vezes, é a falência do Espírito.
Mostra o Espírito comunicante, disposição para ajudar, e reforça a oportunidade daquele que se vê privado da visão, mas que vivendo em comunhão com Deus, ser-lhe-á permitido divisar as belezas do mundo maior. Por outro lado, a visão pode ser o Anjo Tenebroso que o conduzirá à morte.
Fica, portanto, para nós, a reflexão, sobre a importância da visão e onde o seu mal uso poderá nos levar. A comparação é forte, mas nos solicita aumento da vigilância, valorização da visão, para que se torne comunhão com o Criador, e não instrumento de novas quedas.
Finalmente, ele se dirige à Irmã cega, e diz a ela que entende o quanto a faria feliz se impusesse as mãos, e ela voltasse a enxergar, mas novamente, solicita cautela e sugere que antes de pedir a cura, pensasse em toda a exposição feita, especialmente sobre a bem-aventurança dos que não enxergam, e por isso estão livres da tentação que a visão pode proporcionar. Acrescenta que tudo fará em favor da irmã, mas que a cura, pertence a Deus.
Concluindo nossos estudos, se passamos por provações que não são decorrência da vida presente, não tenhamos dúvida, têm ligação com vidas passadas. A justiça Divina não falha, e nos dá sucessivas oportunidades de redenção. E neste caso específico, dizem os Espíritos, “quem matou à espada, pela espada perecerá”, referindo-se ainda à pena de Talião, abrindo-se inclusive a possibilidade de ter sido nós, a pedirmos a provação pela qual passamos, ainda que não nos lembremos.
Estejamos, pois, atentos aos ensinamentos do Cristo, e na mensagem: “Se o teu olho for motivo de escândalo, arranca-o.”
Vigiemos, especialmente os olhos, para que não nos levem à destruição, mas sim, ao encontro com o Cristo! Muita paz!
Sebastião Costa Filho
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